nov, 15 2024
A edição 2024 do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) foi palco de uma notável controvérsia envolvendo a interpretação de uma questão. No centro da polêmica estavam as músicas de Caetano Veloso, cujo nome apareceu na prova da seção de Linguagens, complicando a vida não só dos estudantes mas até mesmo do próprio artista. A questão, distribuída sob diferentes números nas provas verde, azul, branca e amarela, tomou trechos de uma crônica escrita por Tati Bernardi. No texto, Bernardi discorre sobre sua tendência de usar o termo "coisa" em suas escritas, um ponto que se tornou crucial para a resolução da questão.
Tati Bernardi colocou o termo "coisa" em evidência, utilizado 11 vezes no texto junto com palavras cognatas, como "coisar" e "coisinha". A crônica também fazia referências diversas a músicas de Caetano Veloso, como "Qualquer Coisa", "Sampa", "Lindeza" e "Samba de Verão". A tarefa dos candidatos era identificar o recurso usado na crônica para garantir a progressão e unidade temática do texto. Caetano Veloso, participando de maneira inusitada, apresentou sua resposta em um vídeo nas redes sociais, acreditando que a intertextualidade, marcada pela citação de suas músicas, fosse a resposta correta.
Porém, a expectativa do cantor foi frustrada pela resposta oficial do Inep, divulgada dias depois. O gabarito destacou "C" como a resposta correta, apontando a 'reiteração', ou a repetição do termo "coisa" e seus derivados, como o recurso certo. Professores de instituições respeitadas, como Eduardo Calbucci do renomado colégio Anglo, passaram a debater a questão. A argumentação de Calbucci enfatiza que a constante repetição ajudou a construir a unidade temática desejada, validando a escolha pelo item "C". Por outro lado, a presença das músicas criava um argumento forte para defender a resposta "A" – intertextualidade.
Docentes de várias partes do país se manifestaram, com muitos concordando que poderiam haver justificativas sólidas para ambas as opções. Essa ambiguidade gerou discussões entre especialistas e estudantes, deixando claro que a questão está longe de ser trivial. Enquanto alguns acadêmicos sugerem que o Inep deveria ter considerado a possibilidade de aceitar mais de uma resposta correta, a insistência em singularizar a resposta criou um ambiente de insegurança entre muitos candidatos que se viam amparados por evocar tanto a repetição quanto as citações musicais.
A decisão do Inep de selecionar uma única resposta se baseia, principalmente, na intenção de manter uma padronização e uniformidade no processo de avaliação nacional. No entanto, a questão levanta um dilema interessante sobre a flexibilidade e interpretação no contexto de uma prova tão abrangente como o Enem. O debate não apenas reflete no campo do ensino de Línguas quanto na percepção pública sobre a execução da prova.
Este episódio envolvendo Caetano Veloso ilustra como a arte e a cultura popular conseguem se entrelaçar com o universo acadêmico de forma inesperada. Evidentemente, a escolha das referências culturais é uma faca de dois gumes no ambiente das avaliações de larga escala: pode tanto enriquecer a discussão quanto gerar discordâncias sobre a exatidão interpretativa em contextos pedagógicos.
Para a edição de 2025, o Inep talvez encare a necessidade de reavaliar a maneira como seleciona, formula e explica suas questões, principalmente quando há margem para complexidade e múltiplas interpretações. Esse tipo de situação também desperta a consciência para a importância de clareza na comunicação entre quem elabora a prova e quem a interpreta, considerando a diversidade de pontos de vista que um texto pode englobar.