Câmara aprova proibição de voto para presos provisórios em emenda ao PL Antifacção 20 novembro 2025
Luiz Guilherme 0 Comentários

A Câmara dos Deputados aprovou na terça-feira, 18 de novembro de 2025, uma emenda que tira o direito de votar de pessoas ainda não condenadas — os chamados presos provisórios. A votação, realizada às 19h30 no Palácio do Congresso Nacional, em Brasília, terminou com 349 votos a favor, 40 contra e uma abstenção. A mudança, incorporada ao PL Antifacção (Marco Legal do Combate ao Crime Organizado), altera dois artigos do Código Eleitoral e representa um virada radical na interpretação dos direitos políticos no Brasil. Até agora, mesmo quem estava preso sem sentença final podia votar — por causa da presunção de inocência. Agora, não mais.

Uma mudança que desafia a Constituição

A emenda foi apresentada pelo deputado Marcel van Hattem, do Partido Novo do Rio Grande do Sul, e defendida como uma forma de evitar que facções criminosas influenciem eleições por meio de seus membros detidos. "O voto é expressão da plena cidadania", afirmou Van Hattem durante o debate. "Pressupõe liberdade e autonomia. E quem está preso, mesmo que provisoriamente, não tem isso."

Ele insiste que a medida não é punição — apenas uma suspensão temporária. Mas especialistas em direito constitucional não concordam. O artigo 15 da Constituição Federal de 1988 é claro: só perde o direito de votar quem foi condenado com sentença transitada em julgado. Ou seja, depois de todos os recursos esgotados. A emenda, ao contrário, atinge quem ainda não foi julgado — e isso pode ser um problema.

Críticas e acusações de seletividade

O líder do Partido dos Trabalhadores (PT), Lindbergh Farias, do Rio de Janeiro, não escondeu a indignação. "Essa emenda não é sobre segurança. É sobre silenciar oposição", disparou. Ele citou o caso da deputada Carla Zambelli, atualmente detida na Itália sob regime provisório — um caso que, se a lei for aplicada internacionalmente, poderia ser usado para impedir que ela vote no Brasil, mesmo sem qualquer condenação.

"Se a gente quer combater facções, ótimo. Mas não podemos transformar a Justiça Eleitoral em instrumento político. Isso é perigoso", acrescentou Farias, lembrando que o PT já foi alvo de prisões provisórias em operações como a Lava Jato — e que, na época, a mesma lógica de "presunção de inocência" foi usada para proteger direitos.

O que muda na prática?

O que muda na prática?

A emenda exige que a Justiça Eleitoral cancele automaticamente o título de eleitor de qualquer pessoa em prisão provisória — mesmo que ela tenha votado nas últimas eleições. Isso significa que, a partir da data da prisão, o nome da pessoa será retirado do cadastro eleitoral sem necessidade de processo judicial adicional. A mudança afeta cerca de 300 mil pessoas atualmente detidas sem condenação definitiva, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de outubro de 2025.

Além disso, o PL Antifacção cria o crime de "domínio social estruturado", punível com 20 a 40 anos de prisão, e amplia os tipos de ações consideradas criminosas: fornecer abrigo, armas, informações ou até compartilhar mensagens de apoio a facções. O projeto também obriga líderes de organizações criminosas a cumprirem pena em presídios federais de segurança máxima, proibindo anistia, indulto ou liberdade condicional.

O que vem a seguir?

Agora, o texto segue para o Senado Federal, onde o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) será o relator. Audiências públicas estão marcadas para os dias 3 a 7 de dezembro de 2025. O que se espera? Um novo embate. A bancada do PT e partidos de esquerda prometem apresentar emendas para derrubar a emenda sobre o voto. Já aliados do governo — e setores da polícia e da advocacia pública — pressionam pela aprovação integral do pacote.

Se o Senado aprovar sem mudanças, o projeto volta à Câmara para sanção presidencial. E aqui está o ponto mais crítico: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já sinalizou que não assina leis que ferem direitos fundamentais. Um veto à emenda do voto é considerado altamente provável — e, mesmo que não aconteça, o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu, em 2023, na ADC 44, que a presunção de inocência é cláusula pétrea. O STF pode, e provavelmente vai, derrubar a lei depois de sancionada.

Por que isso importa?

Por que isso importa?

Isso não é só sobre presos. É sobre quem define o que é cidadania. O Brasil tem uma das maiores populações prisionais do mundo — e quase metade dessas pessoas ainda não foi julgada. Tirar o voto delas é como dizer: "Você não é cidadão até que a Justiça decida". Mas e se a Justiça demorar cinco anos? E se for um erro? E se a prisão for por pressão política?

Na prática, essa mudança pode desestabilizar eleições em cidades onde facções têm forte influência — mas também pode abrir a porta para manipulações. Afinal, quem decide se alguém é "perigoso" o suficiente para perder o voto? A polícia? O juiz? O político?

É uma pergunta que a sociedade ainda não respondeu. E que, nos próximos meses, será debatida nas ruas, nas escolas, nas igrejas e nos tribunais.

Frequently Asked Questions

Quem perde o direito de votar com essa emenda?

Toda pessoa em prisão provisória — ou seja, presa antes do julgamento ou sem sentença definitiva — terá o título de eleitor cancelado automaticamente pela Justiça Eleitoral. Isso inclui quem está preso por investigação, mesmo que não tenha sido condenado. Atualmente, cerca de 300 mil pessoas estão nessa situação no Brasil, segundo o CNJ.

Por que o Supremo Tribunal Federal pode derrubar essa medida?

O STF já decidiu em 2023, na ADC 44, que a presunção de inocência é cláusula pétrea da Constituição. Só quem foi condenado com sentença transitada em julgado perde direitos políticos. Tirar o voto de quem ainda não foi julgado vai contra esse entendimento consolidado. O tribunal tem histórico de anular leis que limitam direitos fundamentais sem justificativa constitucional sólida.

Essa medida afeta presos condenados também?

Não. Presos condenados já tinham o voto suspenso desde 1988. A emenda apenas estende a proibição a quem ainda não foi julgado — ou seja, a um grupo que antes tinha direito. A mudança não afeta a regra para condenados, mas cria uma nova regra para presos provisórios, que é a parte contestada.

O que acontece se o presidente Lula vetar a emenda?

Se Lula vetar apenas a parte que proíbe o voto de presos provisórios, o restante do PL Antifacção — com as novas penas e o crime de "domínio social estruturado" — segue para sanção. O veto pode ser derrubado pelo Congresso, mas isso exigiria maioria absoluta (308 votos) em ambas as casas. A tendência é que o veto seja mantido, dada a pressão da opinião pública e da comunidade jurídica.

Há precedentes internacionais para essa proibição?

Sim, países como os EUA e alguns da Europa proíbem o voto de presos condenados, mas raramente de presos provisórios. Na Alemanha, por exemplo, mesmo condenados mantêm o direito de votar. O Brasil sempre foi uma exceção por permitir que presos provisórios votassem — uma proteção à presunção de inocência. Essa mudança rompe com um padrão democrático que durou 37 anos.

Como saber se alguém teve o título cancelado por essa medida?

A Justiça Eleitoral notificará os presos provisórios por meio da unidade prisional e do sistema online do TSE. Qualquer cidadão pode consultar o status do título no site do TSE ou pelo aplicativo e-Título. Se o título estiver "cancelado por prisão provisória", o eleitor não poderá votar até que seja solto ou condenado com sentença transitada em julgado.