
Quando WikiLeaks publicou, em julho de 2015, um conjunto massivo de registros da NSA, ficou claro que a agência norte‑americana tinha monitorado, de forma sistemática, 29 números de telefone ligados ao governo brasileiro, entre eles os da então presidente Dilma Rousseff, presidente do Brasil. O escândalo, que chegou ao coração da diplomacia entre Brasília e Washington, reacendeu o debate sobre soberania digital e mostrou até onde a inteligência dos EUA iria para coletar informações políticas e econômicas do país sul‑americano.
Contexto histórico da espionagem EUA‑Brasil
Desde o início da década de 2010, o relacionamento entre os dois países atravessava momentos de tensão, sobretudo após os vazamentos de Edward Snowden em 2013, que revelaram a vigilância da NSA sobre a então presidente Dilma. O governo brasileiro havia suspendido a visita oficial de Dilma aos EUA naquele ano, citando “interferência indevida”. Quando, em julho de 2015, a WikiLeaks trouxe à luz novos documentos, a presidente finalmente pôde viajar ao lado de Barack Obama, mas a sombra da espionagem pairava sobre o encontro.
Detalhes dos alvos e da operação da NSA
Os registros classificados como prioridade 3 – “Brazil: Political Affairs” – mostravam números de linhas fixas e celulares, todos marcados com códigos internos como "BL DILMA ROUSSEFF LIAISON" ou "BL DILMA ROUSSEFF ASSISTANT ANDERSON CELL". Entre os alvos estavam:
- O número de ligação da presidente (+55 61 3248‑XXXX) monitorado desde 15/12/2010.
- A linha do escritório no Palácio do Planalto (+55 61 3411‑XXXX) sob vigilância a partir de 10/02/2011.
- O celular do assistente pessoal Anderson Dornelles (+55 61 9155‑XXXX), também rastreado desde dezembro de 2010.
- O telefone da secretária Nilce (+55 61 9155‑XXXX).
- Vários ministros, entre eles Antonio Palocci, que ocupou cargos-chave no governo.
- Um celular do Ministério das Relações Exteriores (+55 61 8199‑XXXX) marcado como “MFA FORMIN STAFFER DORING CELL”.
- O secretário executivo do Ministério da Fazenda, Barbosa, observado desde 25/02/2011.
A amplitude da coleta mostrava que a NSA não se limitava a questões políticas; ela também vasculhava comunicações financeiras, indicando interesse nos movimentos econômicos do Brasil.
Reações diplomáticas e políticas
O vazamento provocou uma onda de protestos em Brasília. No Congresso, parlamentares exigiram explicações formais do governo norte‑americano, enquanto organizações de direitos civis convocaram manifestações contra o que chamaram de “violação da soberania”. Por sua vez, o Ministério das Relações Exteriores enviou uma nota diplomática pedindo esclarecimentos, mas a resposta dos EUA foi evasiva, alegando que a coleta fazia parte de “atividades de inteligência legítimas”.
No fim de 2015, após a visita de Dilma, o clima começou a melhorar lentamente, embora as suspeitas permanecessem. Em 2024, Luiz Inácio Lula da Silva, então presidente, celebrou a libertação de Julian Assange, lembrando que os documentos da WikiLeaks foram cruciais para expor a espionagem que marcou a relação bilateral nos últimos anos.

Impacto e análises de especialistas
Analistas de segurança cibernética apontam que a operação da NSA era “ordinária” dentro da estratégia de coleta de inteligência global, mas que o foco no Brasil revelava uma preocupação específica com a política externa sul‑americana. Segundo a pesquisadora Carolina Duarte, da Fundação Getúlio Vargas, “o fato de alvos incluírem tanto celulares de assessores quanto linhas do Ministério da Fazenda indica que a espionagem visava antecipar decisões econômicas que poderiam afetar os mercados internacionais”.
Do lado americano, especialistas em relações internacionais ressaltam que a revelação coincidiu com a negociação do acordo comercial Mercosul‑UE, e que a vigilância poderia ter servido para criar“insights” sobre a posição brasileira nas discussões. A pressão interna nos EUA, entretanto, aumentou, já que legisladores americanos começaram a propor reformulações da Lei de Vigilância Estrangeira (FISA).
Próximos passos e possíveis desdobramentos
Com a aprovação de novas leis de proteção de dados no Brasil, como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), o governo tem reforçado mecanismos para criptografar comunicações oficiais. Ainda assim, a confiança entre os dois países permanece abalada, e futuros acordos de cooperação tecnológica deverão incluir cláusulas claras sobre respeito à soberania de dados.
Enquanto isso, a comunidade internacional acompanha de perto como o caso afeta a credibilidade das agências de inteligência ocidentais. O caso pode servir de precedente para futuros debates na Organização das Nações Unidas sobre normas de espionagem estatal.

Principais fatos
- WikiLeaks divulgou, em julho de 2015, 29 números de telefone do governo brasileiro monitorados pela NSA.
- Alvos incluíram a presidente Dilma Rousseff, assessores, ministros e secretários econômicos.
- A vigilância começou em dezembro de 2010 e se estendeu até 2015, coberta por prioridade 3 – "Brazil: Political Affairs".
- O vazamento coincidiu com a primeira visita oficial de Dilma aos EUA desde 2013.
- Em junho de 2024, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva celebrou a libertação de Julian Assange, lembrando a importância das revelações para a diplomacia brasileira.
Perguntas Frequentes
Como a espionagem da NSA afetou a relação entre Brasil e Estados Unidos?
O vazamento minou a confiança mútua, gerando protestos no Brasil e exigindo explicações de Washington. Embora os dois países continuem parceiros estratégicos, os episódios de vigilância obrigam a inserir cláusulas de proteção de dados em futuros acordos, tornando a cooperação mais cautelosa.
Quais números de telefone foram monitorados pela NSA?
Foram 29 linhas, entre elas o telefone de ligação da presidente (+55 61 3248‑XXXX), a linha do Palácio do Planalto (+55 61 3411‑XXXX), o celular do assistente Anderson Dornelles (+55 61 9155‑XXXX) e o do secretário econômico Barbosa (+55 61 3412‑XXXX), além de números de outros ministros e do Ministério das Relações Exteriores.
Por que a divulgação ocorreu em 2015 e não antes?
A WikiLeaks recebeu os documentos ao longo de 2014 e os analisou antes de publicá‑los em julho de 2015, coincidindo com a primeira visita oficial de Dilma aos EUA desde a crise de 2013, o que aumentou o impacto da revelação.
Qual foi a reação do presidente Lula em 2024?
Em 25 de junho de 2024, Lula comemorou a libertação de Julian Assange, ressaltando que as revelações da WikiLeaks sobre a vigilância da NSA foram fundamentais para expor intervenções indevidas e reforçar a defesa da democracia.
O que mudou na legislação brasileira após os vazamentos?
A aprovação da LGPD, em 2020, trouxe exigências mais rigorosas de consentimento e criptografia para dados pessoais, inclusive em comunicações governamentais, buscando evitar novas interceptações como as reveladas pela WikiLeaks.
Jeff Thiago
outubro 6, 2025 AT 21:26A prática sistemática de interceptação de comunicações governamentais, conforme revelada pelos documentos da NSA, demonstra uma política de coleta de inteligência que transcende a mera observação de ameaças externas.
Tal abordagem, ao focar em linhas telefônicas de oficiais de alto escalão, revela um intento de antecipar decisões estratégicas que possam impactar interesses norte‑americanos.
Os registros apontam que o monitoramento iniciou-se ainda em 2010, antes mesmo de Eduardo Cunha assumir a presidência da Câmara, o que indica um interesse precoce nas dinâmicas políticas internas.
Essa cronologia demonstra que a espionagem não foi reativa a eventos pontuais, mas parte de um programa de vigilância contínua e abrangente.
Além do aspecto político, a inclusão de números vinculados ao Ministério da Fazenda evidencia a busca por informações econômicas que poderiam influenciar mercados globais.
Tal estratégia, ao combinar dados diplomáticos e financeiros, reforça a teoria de que a NSA visava elaborar um panorama integrado da política externa brasileira.
Os documentos também mostram que os alvos incluíam assessores próximos ao presidente, sinalizando um esforço de mapear a rede de decisão interna.
Essa prática fere frontalmente princípios de soberania e privacidade consagrados em tratados internacionais vigentes.
Ao ser exposta, a ação gerou repercussões diplomáticas que ainda perduram, como a inserção de cláusulas de proteção de dados em acordos bilaterais.
A resposta do governo brasileiro, ao solicitar explicações formais, reflete a necessidade de restabelecer a confiança mútua.
Entretanto, a retórica americana de “atividades de inteligência legítimas” carece de transparência substancial.
O próprio Congresso dos EUA tem debatido reformas na Lei de Vigilância Estrangeira (FISA), embora os avanços sejam lentos.
No âmbito interno, o caso motivou a aceleração da aprovação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Tal legislação impõe criptografia obrigatória e auditorias de segurança para comunicações oficiais.
Em síntese, os vazamentos da WikiLeaks não apenas revelaram uma prática invasiva, mas também catalisaram mudanças legislativas e diplomáticas essenciais para mitigar futuras infrações.