Na segunda-feira, 20 de outubro de 2025, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) deu um soco na indústria de alimentos brasileira: proibiu de forma imediata a venda, distribuição e consumo de três produtos que prometiam bem-estar — mas escondiam riscos reais. O azeite extra virgem Ouro Negro, o sal Himalaio Kinino e um suposto "chá milagroso" foram retirados de todas as prateleiras do país. A medida, publicada no Diário Oficial da União às 16:08 do mesmo dia, não foi um acidente. Foi o ápice de uma operação de fiscalização que expôs uma rede de fraudes alimentares que vai desde o rótulo até o armazém.
Um azeite sem origem, uma empresa sem CNPJ
O caso do azeite Ouro Negro é o mais emblemático. O produto, vendido como extra virgem e de alta qualidade, foi importado pela Intralogística Distribuidora Concept Ltda.. O problema? O CNPJ dessa empresa está suspenso pela Receita Federal desde antes da chegada do produto ao Brasil. Isso significa que, legalmente, ela não tinha permissão para importar, distribuir ou vender qualquer coisa. E ainda assim, o azeite chegou aos supermercados — e aos pratos de milhares de brasileiros. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária não só suspendeu o produto, como ordenou a apreensão de todos os lotes em circulação. A Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) já havia identificado que o azeite tinha origem desconhecida e, em análises laboratoriais, descobriu que muitos lotes eram, na verdade, misturas de óleos vegetais refinados. Nada de azeite de oliva puro. Apenas disfarce.Sal que prometia curar — e não tinha iodo
Enquanto o azeite enganava pelo conteúdo, o sal Himalaio Kinino enganava pela promessa. A H.L. do Brasil Indústria e Comércio de Produtos Alimentícios Ltda., fabricante do produto, identificou internamente que 13 lotes do sal 500g tinham teor de iodo abaixo do mínimo exigido por lei — um risco grave para a saúde pública, já que o iodo é essencial para o funcionamento da tireoide. Mas o pior veio depois: as redes sociais estavam cheias de anúncios promovendo o sal como solução para perda de peso, insônia, ansiedade, prevenção de câncer e até aumento da libido. Tudo isso é proibido para alimentos no Brasil. A própria empresa declarou que fez a retirada voluntária dos lotes afetados. Mas a Anvisa não aceitou isso como desculpa. "A responsabilidade não é só do fabricante. O consumidor tem direito a produtos que cumpram a lei — e não promessas de feitiçaria", disse um técnico da agência sob anonimato.Chá milagroso? Só na propaganda
O "chá milagroso" não tem nome oficial registrado — e é exatamente isso que o torna perigoso. A Anvisa o identificou como um produto vendido em embalagens genéricas, sem registro sanitário, com rótulos que fazem afirmações terapêuticas como "elimina toxinas", "cura inflamações crônicas" e "rejuvenesce células". Nenhum chá, por mais natural que seja, pode fazer isso legalmente no Brasil. Esses produtos se aproveitam da desinformação e da busca por soluções rápidas. Muitos são importados de forma irregular e vendidos por influenciadores digitais que não têm qualquer formação em saúde. A proibição foi imediata — e já há investigações abertas para identificar os responsáveis pela importação e distribuição.Uma onda de fraudes no azeite
O caso do Ouro Negro não é isolado. Em 2025, a Anvisa e o MAPA já haviam proibido mais de 70 lotes de azeite — e 22 marcas diferentes. Entre elas, Azapa e Doma, que também foram flagradas misturando óleos vegetais e falsificando rótulos. Em alguns casos, o produto chegava a ser 80% óleo de soja ou canola, com apenas 20% de azeite de oliva — tudo disfarçado com corantes e aromatizantes. O consumidor paga o preço de um produto premium e leva para casa um ingrediente que pode até piorar a saúde, por conter ácidos graxos trans e aditivos não declarados.
O que fazer se você comprou um desses produtos?
Se você tem em casa o azeite Ouro Negro, o sal Kinino ou qualquer chá sem rótulo claro, pare de usar imediatamente. Não jogue fora. Não devolva ao supermercado — reporte. A Anvisa criou um canal exclusivo para denúncias de produtos irregulares, acessível pelo site oficial e por telefone. Supermercados e redes de varejo receberam notificações oficiais e estão sendo monitorados. Quem não remover os produtos pode ser multado em até R$ 1,5 milhão por infração, além de responder por crime sanitário. O risco não é só legal. É de saúde.Por que isso está acontecendo agora?
A Anvisa aumentou drasticamente a fiscalização em 2025, especialmente no setor de alimentos de alto valor agregado — aqueles que os consumidores compram por confiança, não por preço. O azeite, o sal rosa e os chás funcionais são os alvos preferidos de fraudadores porque têm margem de lucro alta e baixa fiscalização. Mas o cenário mudou. A agência agora usa inteligência artificial para cruzar dados de importação, CNPJs suspensos e postagens em redes sociais. O que antes era um problema escondido agora é um alvo em tempo real. E o que se vê é que, quando o rótulo é bonito, mas a origem é duvidosa, o risco é real.Quem está por trás dessas empresas?
A Intralogística Distribuidora Concept Ltda. foi registrada em 2023 e teve seu CNPJ suspenso em março de 2024 por não apresentar declarações fiscais. Mesmo assim, continuou operando por meio de terceiros. A H.L. do Brasil Indústria e Comércio de Produtos Alimentícios Ltda. tem sede em São Paulo e foi fundada em 2020. Já foi multada duas vezes por irregularidades de rotulagem. A Anvisa afirma que está investigando possíveis vínculos entre essas empresas e outras que já foram fechadas por fraudes semelhantes. O que se descobriu até agora é apenas a ponta do iceberg.Frequently Asked Questions
Como saber se um azeite é realmente extra virgem e não adulterado?
Verifique o rótulo: deve constar "extra virgem", o lote, a data de colheita e o CNPJ do importador ou produtor. A Anvisa publica mensalmente uma lista de produtos proibidos no seu site. Evite azeites com preços muito baixos — um litro de extra virgem de qualidade custa, no mínimo, R$ 40. Produtos que não indicam a origem das azeitonas ou têm embalagens genéricas são suspeitos.
Por que o sal Himalaio precisa ter iodo? Não é um sal natural?
Apesar de ser natural, o sal Himalaio não contém iodo suficiente para prevenir doenças como o bócio. No Brasil, a legislação exige que todos os sais de consumo humano tenham pelo menos 15 mg de iodo por kg — isso é uma política de saúde pública, já que a deficiência de iodo afeta o desenvolvimento cerebral, especialmente em crianças. O sal natural não substitui o sal iodado. O que se vende como "sal rosa saudável" pode ser um risco se não for fortificado.
O que acontece com os produtos apreendidos?
Os produtos apreendidos são guardados em armazéns controlados pela Anvisa e, após análise jurídica, são destruídos ou reciclados de forma segura. Em casos de fraude grave, como misturas de óleos, o produto é incinerado para evitar que volte ao mercado. Os responsáveis pela distribuição podem ser processados por crime sanitário, com penas que variam de multas a prisão.
Quais outros produtos estão sob suspeita da Anvisa em 2025?
Além dos azeites e sais, a Anvisa está investigando chás funcionais, suplementos de colágeno e óleos essenciais vendidos como alimentos. Muitos desses produtos são importados da China e da Índia, com rótulos em português falsos e sem registro. Em setembro, foram apreendidos 32 toneladas de suplementos que prometiam "aumentar a testosterona" — todos sem comprovação científica e sem licença sanitária.
Posso confiar em marcas conhecidas que aparecem em redes sociais?
Não. Muitas marcas legítimas têm seus nomes clonados por fraudadores. Se você viu um produto anunciado por um influenciador, verifique se ele está na lista oficial da Anvisa. O fato de ter uma embalagem bonita, um nome elegante ou um preço alto não garante segurança. A origem e o registro sanitário é que importam — e isso só se confirma no site da agência.
Como posso denunciar um produto suspeito?
Acesse o site da Anvisa e use o formulário "Denúncia de Produto Irregular" ou ligue para 0800-644-1997. Informe o nome do produto, a marca, o lote, onde comprou e, se possível, uma foto do rótulo. A agência responde em até 72 horas. Denúncias anônimas são aceitas — e são a principal fonte de descobertas. Seu alerta pode salvar outras pessoas.